Fermentação Mista: como fazemos?

Como fazemos nossas cervejas de Fermentação Mista?

Prazer, meu nome é Kauai, sou um dos cervejeiros do Devaneio do Velhaco e hoje vou escrever para vocês sobre nossas cervejas de Fermentação Mista.

"O tempo não respeita as coisas que são feitas sem ele."

Se alguém um dia te disser que o Devaneio do Velhaco surgiu como um projeto para fazer chegar até vocês sonhos líquidos inoculados de Brettanomyces, Lactobacillus e Pediococcus, não se assuste e não tente desmentir essa informação. Quem conhece a nossa cervejaria sabe que praticamente nossos fermentadores e panelas foram inseridos de maneira milagrosa em um espaço que podemos chamar de corredor, medindo somente 3,8m de largura. Sendo assim, o sonho de termos uma adega para nossas fermentações selvagens era tão grande que literalmente construímos um espaço para as acomodar. Instalamos vigas de aço em um vão livre, e criamos uma pilha de barris. Hoje em dia acessamos esse espaço pela janela do bar da fábrica. Só conhecendo a casa para entender essa imagem, portanto fica a dica para quando você passar por Porto Alegre.

Por esse motivo, esse lado do Velhaco, no quesito experiência completa, tardou alguns meses a mais para ser iniciado. E falando em cervejas selvagens isso significa muito mais tempo para serem lançadas, tanto em barrica quanto em garrafa. Mas quem respeita o tempo definitivamente recebe um prazer maior e mais duradouro lá na frente. Nossas fermentações acontecem de diversas formas e vou tentar te explicar quais são e como elas tomam vida, mas independente da forma com a qual elas são produzidas, todas levam vários meses até chegar a vocês.

“Quando falamos de fermentação mista queremos dizer que centenas de microorganismos diferentes atuaram para criar o líquido complexo que está na sua taça.‍”

Essa informação normalmente está ligada diretamente com barricas de madeira. A micro oxigenação permitida pela porosidade das barricas de madeira gera uma série de reações complexas, que culminam em bebidas de perfil único e irrepetível. Essas culturas mistas são consideradas “contaminantes” em potencial, na maior parte das cervejarias, mas não aqui no Velhaco. Trabalhamos de forma diferente. Fazemos sim fermentações mistas em tanques de inox também. Então não relacione nossa fermentação mista apenas com madeira

Além disso, fermentação mista é também eventualmente relacionada com o termo “sour”. Isso é comum pois quando temos culturas mistas normalmente temos várias cepas de bactérias. Essas bactérias tendem a acidificar a cerveja, rapidamente ou lentamente, sendo controlada ou inibida pelo cervejeiro. Mas não pense que todas fermentações mistas do Velhaco serão todas ácidas, ok? Gostamos muito de acidez, mas buscamos sempre produzir cervejas equilibradas.

“Podemos ser também selvagens!”

Ainda falando de termos que usualmente são utilizados comesse tipo de cerveja, temos o grupo “wild” (selvagem). Nesse caso, utilizamos o termo quando os microorganismos são vindos do ar ou da borra da garrafa de alguma outra cerveja. Também usamos o termo quando fermentamos a cerveja com uma colônia impregnada em alguma barrica de madeira. Todas essas possibilidades são exploradas na nossa cervejaria, em diferentes estações do ano.

“Independente do termo que usarmos lembre-se sempre que queremos que vocês tomem esses seres vivos, não mortos.”

E a sua vivência pode ter sido de 10 meses ou vários anos até chegar no seu copo. A complexidade dessas experiências com as fermentações mistas vem de tempo, seja ele nos tanques, barricas ou garrafas. Em tanques de aço inox queremos secura e uma acidez breve, isso normalmente acontece rapidamente, utilizando a cultura certa para esse ambiente. Nas barricas de madeira, a busca é por uma maior complexidade de acidez, láctica e acética, caráter presente da madeira e um notável toque de Brettanomyces. Para atingir esses resultados somos, muitas vezes, obrigados a blendar diferentes barricas de diferentes idades.

“Uma parte que consideramos vital no nosso projeto é a refermentação e evolução em garrafa.”

Após a fermentação primária – seja ela em inox ou madeira -, todas as nossas cervejas são refermentadas na garrafa até atingirem um nível de carbonatação ideal. Mas ainda não estão prontas, pois isso é apenas uma parte do processo. Após meses de refermentação em garrafa, temos então a evolução sensorial, e essa demora muito mais. Cada produto entra no vidro de maneira a evoluir de acordo com a sua proposta. Alguns devem arredondar sabores extremos, outros devem se tornar mais agressivos, outros devem reabsorver e produzir novos subprodutos, e assim por diante. Por isso cada cerveja nossa é uma verdadeira obra de arte.

Quanto tempo tudo isso levará? Aqui no Velhaco ninguém sabe, mas não liberamos as garrafas para venda antes de 4 meses. A partir daí é com os microorganismos que permanecerem vivos lá dentro da garrafa!

“Por isso, saboreie e aprecie nossos produtos como verdadeiras obras de arte, porque é assim que encaramos por aqui, e trabalhamos duro para que isso aconteça.”

Esse é um dos motivos pelos quais informamos na descrição das nossas cervejas a “safra” de produção. Para você entender o quanto levou para essa cerveja tomar corpo e atingir o padrão Velhaco. E isso também serve para que você se sinta confortável de envelhecer na sua adega particular, ou no porão de casa.

Até mais!